Comentário

Renegociar a dívida,<br>revogar o Tratado Orçamental

Miguel Viegas

O PCP foi o primeiro partido político a defender a necessidade de renegociar a dívida. Estávamos em 2011, com PS, PSD e CDS a negociar com a troika o malogrado «pacto de agressão». Tal como afirmávamos na altura, esta dívida não resulta de um «povo a viver acima das suas possibilidades» ou de um «Estado gastador», como alguns afirmavam e afirmam, mas de um processo de desindustrialização, de abandono do aparelho produtivo, de privatizações, de cedência às imposições da União Europeia (incluindo o euro), de negócios escandalosos como os do BPN, do BPP, das chamadas parcerias público-privadas, dos contractos swap, isto a par de todo o conjunto de instrumentos e recursos que são retirados ao Estado e entregues ao grande capital. A renegociação da dívida pública no início de 2011, como o PCP propôs, teria permitido travar o agravamento do endividamento público. Teria poupado o povo das consequências do maior período de recessão desde a II Guerra Mundial.

A insustentabilidade da nossa dívida é por demais evidente e a necessidade da sua revisão, renegociação ou anulação parcial, é hoje defendida por economistas dos mais diversos quadrantes. Até o próprio FMI já o reconheceu. Renegociar a nossa dívida é uma necessidade inadiável por forma a libertar Portugal de um fardo injusto que desvia recursos fundamentais para o relançamento da nossa economia. Desde 2012 que o serviço da dívida excede os oito mil milhões de euros anuais, representando por si só mais do que a totalidade do orçamento da Educação e mais do dobro do investimento público.

Mas a questão da dívida soberana não representa um exclusivo de Portugal. A dívida pública global da zona euro (incluindo a portuguesa) não só nunca esteve abaixo do limite de 60 por cento do PIB previsto nos tratados, como disparou a seguir à crise de 2008, tal como em Portugal. E disparou porque, tal como cá, também nos restantes países da Europa foram desviados gigantescos recursos públicos para salvar a banca e os lucros do grande capital financeiro. Neste momento esta dívida global situa-se nos 94 por cento do PIB, ou seja, muito acima do limite prescrito pelas instituições europeias.

Foi neste contexto que o PCP apresentou na semana passada uma declaração escrita sobre a renegociação da dívida. Nesta declaração regista-se que o nível da dívida pública e o serviço da dívida de alguns estados-membros é claramente insustentável e restringe drasticamente o investimento, o crescimento e a capacidade de o Estado financiar adequadamente as suas funções sociais, como a Saúde, a Educação e a segurança social. Simultaneamente, as disposições do Tratado Orçamental (forçando significativos e persistentes excedentes orçamentais primários) são completamente draconianas e devastadoras, tanto do ponto de vista económico como do ponto de vista social. Assim, a declaração reclama por um lado a convocação de uma conferência intergovernamental com vistas à revogação do Tratado de Estabilidade Orçamental e exorta as instituições da UE a encetar e apoiar um processo de renegociação das dívidas públicas dos países mais endividados, reduzindo consideravelmente os respectivos níveis e encargos anuais, fazendo-os regressar a níveis sustentáveis e tornando, assim, o serviço da dívida compatível com o desenvolvimento económico e social. Todos os deputados do Parlamento Europeu poderão subscrever esta declaração até finais de Julho. Veremos como se posicionam os deputados portugueses.

Sabemos hoje que os limites da dívida e do défice fixados no Tratado de Maastricht e no Pacto de Estabilidade e Crescimento nunca tiveram qualquer suporte económico. Mais, assentaram em premissas irrealistas e totalmente desfasadas da actual conjuntura. Refira-se apenas que, segundo os «eminentes» especialistas da altura, era possível manter constante uma dívida de 60 por cento do PIB com um défice orçamental de três por cento, com uma inflação abaixo dos dois por cento e um crescimento de… três por cento! Mas também sabemos que nada disto é relevante. Para esta União Europeia, o grande objectivo nada tem a ver com a economia real ou com os problemas das populações e dos trabalhadores. O grande objectivo passa por reforçar o domínio de classe do capital sobre o trabalho, assegurando que a mais-valia criada pelos trabalhadores seja apropriada pelos mesmos de sempre.




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